quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Relato do Desembargador Federal à Usina Baixo Iguaçu

Trata-se de embargos de declaração opostos pelo INSTITUTO AMBIENTAL DO PARANÁ - IAP, por GERAÇÃO CÉU AZUL S/A e pela UNIÃO contra acórdão desta Turma, proferido em agravo de instrumento interposto nos autos de ação civil pública, que tem por objeto a suspensão dos efeitos de licença de instalação da usina hidrelétrica de Baixo Iguaçu, no Paraná, expedida pelo IAP, que permitiu o início da edificação do empreendimento. O acórdão embargado foi assim ementado:

DIREITO AMBIENTAL. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. EMPREENDIMENTO A SER CONSTRUÍDO EM ZONA DE AMORTECIMENTO DE UNIDADE DE CONSERVAÇÃO FEDERAL. USINA HIDRELÉTRICA DE BAIXO IGUAÇU. PARQUE NACIONAL DO IGUAÇU. NECESSIDADE DE ANUÊNCIA DO ICMBIO.
1. O licenciamento ambiental de empreendimento que produza impacto ambiental sobre unidade de conservação e/ou a respectiva zona de amortecimento, além do atendimento às normas protetivas do ambiente natural em geral, depende da anuência do órgão responsável pela administração da unidade conservacionista, conforme previsto no art. 36- § 3º da Lei 9.985/2000.
2. A anuência do órgão gestor tem de ser obtida em relação ao empreendimento como um todo, de forma que se tenha certeza quanto à sua viabilidade ambiental, dada sua influência sobre área especialmente protegida, e quanto a terem sido realizados todos os estudos necessários e tomadas todas as medidas possíveis para a minimização do impacto sobre a unidade de conservação.
3. A anuência do órgão gestor à concessão de licença prévia para o empreendimento, mas com o estabelecimento de condicionantes consistentes na realização de estudos e em medidas complementares necessárias à proteção da unidade de conservação, obriga o empreendedor a demonstrar àquele órgão os resultados obtidos com as providências indicadas na licença prévia, de forma a obter a anuência para a expedição da licença de instalação da obra. Somente o órgão gestor da unidade conservacionista, que é quem por ela 'fala', pode avaliar se os resultados são satisfatórios para a preservação da unidade.
4. Por isso, por infringência à regra do art. 36- § 3º da Lei 9.985/2000, é ilegal a expedição de licença de instalação do empreendimento impactante pelo órgão ambiental estadual competente, sem a prévia manifestação favorável do órgão gestor da unidade de conservação atingida, ainda que este tenha anteriormente prestado sua anuência, sob condição, à expedição de licença prévia.
5. Agravo de instrumento parcialmente provido para suspender os efeitos da licença de instalação da usina hidrelétrica de Baixo Iguaçu/PR emitida pelo Instituto Ambiental do Paraná - IAP, em decorrência da ausência de prévia manifestação expressa do ICMBio, órgão administrador do Parque Nacional do Iguaçu, sobre o atendimento das exigências contidas nas condicionantes previstas na licença prévia do empreendimento, tendentes à preservação do parque nacional.

As alegações dos embargantes e as contrarrazões apresentadas estão relatadas de forma minudente e precisa no notável parecer ofertado neste TRF pela ilustre Procuradora Regional da República Adriana Zawada Melo, a quem peço vênia pra transcrever e incorporar a este relatório excertos da mencionada peça (evento 79):

Nos seus embargos de declaração (Evento 50), o IAP argui a nulidade do acórdão do Evento 35 por ter utilizado como fundamento o Ofício nº 238/2014 do ICMBio, juntado de forma inédita em sede de contrarrazões (Evento 16), não tendo sido oportunizado o contraditório e a ampla defesa às partes, em ofensa aos arts. 398 do CPC e 5º, LV, da CF. Acrescenta que o acórdão embargado foi omisso por não tratar da Resolução CONAMA 237/97, da Instrução Normativa ICMBio 05/2009 e da Resolução CONAMA 428/2010, que regulamentam o art. 36, § 3º, da Lei nº 9.985/2000 no sentido de que a autorização do órgão gestor de unidades de conservação, no licenciamento de empreendimentos que as afetem, deve ser dada em uma única ocasião, que seria antes da Licença Prévia, e não em todas as etapas do licenciamento. Aduz, ainda, que o acórdão desconsiderou o art. 13, § 1º, da LC 140/2011, segundo o qual a manifestação do ICMBio, como órgão interveniente do licenciamento levado a cabo pelo IAP, não seria vinculante. O IAP alega também que o acórdão embargado desconsiderou a presunção de legitimidade da Licença de Instalação nº 17033 e que foi omisso quanto à ofensa à separação de poderes ao deliberar sobre aspectos intrínsecos do licenciamento ambiental. Por fim, ressalta que a manifestação do ICMBio e o trecho do voto-condutor do acórdão que referem o agravamento das alterações de fluxo do Rio Iguaçu laboram em equívoco e reforçam os argumentos em que se louva o IAP em seus aclaratórios.

A seu turno, a Geração Céu Azul S/A opôs embargos de declaração (Evento 51-EMBDECL19), aduzindo, de início, a nulidade do acórdão embargado, em virtude de não ter sido oportunizada a manifestação das partes acerca do documento juntado pelo ICMBio no Evento 16, em ofensa ao art. 398 do CPC e 5º, LV, da CF. Acaso não reconhecida essa nulidade, aponta a empresa a existência de 5 (cinco) omissões no acórdão embargado, as quais pede sejam supridas, bem como prequestionados os dispositivos legais e constitucionais a elas pertinentes. A primeira omissão diz respeito à alegada unicidade da autorização dada pelo ICMBio, antes da licença-prévia, conforme a Resolução CONAMA 428/2010, a IN ICMBio nº 05/2009 e Portaria MMA 05/2014, todas regulamentadoras do art. 36, § 3º, da Lei nº 9.985/2000, em argumentação semelhante à desenvolvida pelo IAP nesse ponto em seus embargos. A segunda omissão é relativa à não vinculação do órgão licenciador - no caso o IAP - às manifestações dos órgãos intervenientes no licenciamento, em observância ao art. 13, § 1º, da Lei Complementar nº 140/2011 e ao princípio da eficiência administrativa. A terceira omissão é a de não apreciação da presunção de legitimidade da Licença de Instalação nº 17033, com base no art. 37 da Constituição. A quarta omissão é referente às questões de variação das vazões do Rio Iguaçu, as quais foram objeto da Resolução ANA nº 142/2014. Por derradeiro, a quinta omissão diz respeito à ausência de respeito aos princípios da boa-fé e da segurança jurídica.

Já a União igualmente apresentou embargos de declaração (Evento 53-EMBDECL1). Neles, aduz que o acórdão embargado apresenta três obscuridades: (1ª) os termos do tópico nº 3 do voto-condutor do acórdão remetem a afirmações que teriam restado superadas no julgamento dos Embargos Infringentes em AC nº 5000970-08.2011.404.7007. Disso resulta que seria necessário aclarar o acórdão quanto à base legal para exigir anuência específica do ICMBio para a expedição da licença de instalação, a qual não poderia ser extraída do art. 36, § 3º, da Lei nº 9.985/2000; (2ª) por ocasião da autorização dada pelo ICMBio para a Licença Prévia e que foi objeto do julgamento dos embargos infringentes referidos no item anterior, foram apresentadas condicionantes que não seriam pressupostos para as licenças seguintes (de Instalação e de Operação), mas sim providências a serem observadas durante o transcurso de cada fase do empreendimento. Como o acórdão embargado entendeu descumpridas algumas dessas condicionantes e isso não teria sido arguido nos autos originários e nem no presente agravo, os elementos assentados no citado julgamento dos embargos infringentes estariam sendo valorados de forma inversa, gerando obscuridade; (3ª) em momento algum do presente agravo e dos autos originários estaria o ICMBio infirmando a validade da licença de instalação do empreendimento, mas apenas pretendendo indicar medidas mitigadoras do impacto ambiental decorrente da instalação da UHE Baixo Iguaçu, estando o ICMBio em oposição ao que pretendem os agravantes. Conclui daí que não pode o Judiciário suprir o silêncio da autarquia. A União aponta, ainda, duas omissões do acórdão embargado: (1ª) ausência de observância ao princípio da confiança, subprincípio da segurança jurídica, que tem respaldo nos arts. 2º da lei nº 9.784/99 e 36, § 3º, da Lei nº 9.985/2000, dos quais pede o prequestionamento; (2ª) ausência de manifestação expressa sobre a alegação de perda superveniente de objeto do agravo e sobre o preenchimento dos requisitos do art. 273 do CPC para a concessão da antecipação da tutela recursal no caso.

Após a oposição dos embargos, o Relator abriu a possibilidade de apresentação de contrarrazões, tendo em vista o caráter infringente dos pedidos neles veiculados, e também de contradita às petições e documentos juntados (Evento 54).

O ICMBio apresentou suas contrarrazões no Evento 73. Começa ressaltando que não há autorização válida do ICMBio para o empreendimento UHE Baixo Iguaçu, pois a que fora concedida antes da Licença Prévia veio a ser cassada em 23/10/2008. Essa cassação foi discutida judicialmente, sendo considerada válida pelo E. TRF4, mas com efeito ex tunc, não podendo retroagir de modo a tornar nula a licença prévia expedida com base nela. Acrescenta que o Instituto vem manifestando, nos autos e administrativamente junto ao IAP, sua clara discordância quanto aos termos da licença de instalação e que o quadro de incertezas do Instituto quanto à viabilidade do empreendimento voltou a crescer diante dos acontecimentos climáticos do mês de junho (cheia do Rio Iguaçu). Sobre a alegação de nulidade do acórdão por não ter sido oportunizado às partes se manifestarem acerca do documento juntado no Evento 16, aduz que tanto o IAP quanto o empreendedor já tinham recebido diretamente, na seara administrativa, o Ofício em questão, juntado aos autos depois, no citado Evento 16, e sobre ele não se manifestaram. Também aponta que não houve prejuízo com essa juntada, o que é pressuposto para declarar eventual nulidade. Em seguida, afirma que as exigências complementares que fez não foram ainda atendidas, nada lhe tendo sido comunicado oficialmente, e que as reuniões de que tem participado junto ao IAP não significam concordância com a Licença de Instalação, mas demonstram a preocupação do Instituto em rever a viabilidade do empreendimento tal como vem sendo executado. O ICMBio defende ainda que sua anuência é vinculante, nos termos do art. 36, § 3º, da Lei nº 9.985/2000 e do art. 1º, § 2º, da Resolução CONAMA 428/2010, até porque a citada lei e a invocada Lei Complementar nº 140/2011 regulamentam distintos dispositivos constitucionais, ressaltando que a Lei nº 9.985/2000 é lei especial e não é derrogada por lei geral, como a LC 140/2011. O Instituto também aduz que o empreendedor, ciente da discussão judicial anterior acerca da validade da licença prévia em virtude da cassação da autorização do ICMBio, não pode alegar boa-fé e nem dizer que o princípio da segurança jurídica foi desrespeitado. Por fim, o Instituto alega que, mesmo que se admitisse que a sua anuência é um ato único e anterior à Licença Prévia, isso não significa que ele esteja impedido de participar das demais etapas do licenciamento ambiental, mormente porque ficaram pendentes de atendimento condicionantes impostas na anuência.

No Evento 74, a Geração Céu Azul S/A manifestou-se sobre os Eventos 16, 24, 25 e 32, anexando outros 16 (dezesseis) documentos. Nessa oportunidade, reiterou que o ICMBio já teve sua participação perfeita e suficiente no licenciamento ambiental do empreendimento em questão, não se devendo cogitar de nova oportunidade de manifestação formal do citado instituto para a concessão da Licença de Instalação. Acrescentou o empreendedor que o projeto objeto de análise pela UNESCO quanto à UHE Baixo Iguaçu foi o primeiro apresentado, e não a versão que se encontra em execução, devidamente alterada. Quanto à questão dos ribeirinhos, a Geração Céu Azul afirma carecerem de respaldo as afirmações de que se nega a negociar com os atingidos, pois já participou de mais de 28 reuniões sobre o assunto, bem como que a Resolução Conjunta SEMA/IAP 09/2010 é expressa em exigir, de modo alternativo, a anuência dos proprietários atingidos ou o decreto de utilidade pública. Por fim, ressalta que as obras de construção da usina não tiveram qualquer relação com as enchentes que ocorreram na região - fruto de evento meteorológico - e que não possui respaldo a assertiva de que a empresa não estaria agindo suficientemente para avaliar os impactos negativos do empreendimento sobre a espécie Surubim do Iguaçu.

Já a União se manifestou (Evento 75) ratificando as alegações que apresentara nos seus embargos de declaração, que considerou referendadas pelas alegações do IAP e da Geração Azul nos seus embargos e pelos documentos apresentados pelo próprio ICMBio.

O Ministério Público Federal, neste Tribunal, opinou pelo desprovimento dos embargos de declaração (evento 79).

É o relatório.

Trago os autos em mesa.
Fonte TRF4 - Porto Alegre

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